Para quem ama no escuro.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Oração


55

          Para  Luz Fandinho, ateia

Oração


Recito a cada alma antes de acordar,
aos espíritos dos anjos e as fadas,
às donas da palavra que chegou do ar,
ah, mártires que somos cada dia!
O meu cabelo ainda cheira a mar,
as nove ondas me arrastaram,
as nove ondas me livraram,
em nove ondas nove mortes,
nove vezes afoguei,
rebelei meu espírito
ao lume sem ar.
Sobre a areia recomeçam sonhos
e lágrimas de sal,
fora o tempo do chá de canela,
o tempo de iniciar,
a ânsia única
de mãos nas mãos,
irmãs.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Leitura


54

          Para Juanel Ponte

Leitura



Oscila o sentido entre dois pontos cardinais.

De Leste a Oeste acharei a fé,
porque é imensa, omnisapiente
e chega ao ser.

Trás a noite escuta a intensa luz.

Não ceguei e sigo o meu caminho
no estatismo pleno do verão.

Se a sombra é longa,
é longo o mar.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Quarto selâm


53

          Para Alberte Momán

Quarto selâm 

Alma tranquila, volta ditosa,
entra junto aos meus servidores,
entra no meu paraíso.

É breve todo gozo,
perdura a memória
e sou feliz em instantes reiterados.

Volto a ti, plena de gozo,
volto a mim.

Abre-se a terra,
deixa o meu tempo resplendor,
a paz é o meu saúdo
unida à Seyh Efendi
e à minha Basi,
sou semâzen.

O anjo da aurora me acompanhou,
o livro conforta a sede que desceu,
tenho os profetas da noite na pele do mundo,
o verso longo a acariciar.

Voltarei.

Sou o teu espelho.
O espírito da luz.



segunda-feira, 13 de abril de 2015

Terceiro selâm


52

          Para Fátima Vale

Terceiro selâm

              Fenafillah

Submeto-me a sentir
e sinto.
Os afectos deixam redes
que sustentam,
o amor e a dita.

Deixo-me ir,
entrego submissão ao amor,
única submissão ao Ser.

Entrego o espírito,
entrego o corpo,
entrego a mente que pensou
no  Fenafillah


domingo, 12 de abril de 2015

Segundo selâm


51

          Para Inma Doval

Segundo selâm 


Reflecte-se no brilho,
no som da aurora,
na bétula doce,
na ternura desta pele
o dom da criação,
o esplendor do criado.
Giro e oro, oro e giro,
moldo a rocha em silêncio
e saudade de luz,
ante o poder sereno da criação,
ante a força e o amor.
Haja paz na paz dos tempos.

O gozo é contemplar,
saudar o bem eterno.

sábado, 11 de abril de 2015

Primeiro Selâm


50

          Para Ana Blanco

Primeiro selâm 

Abro os braços,
alço a luz
e nasço.

Ergo a mão ao alto,
desço a outra palma,
o equilíbrio é o ponto de inflexão,
a verdade, o ritmo desta rota
e giro;
retorno à descoberta
e reconheço a força.

Sou criatura
entre os ventos e este rito.
Sou a tua criatura,
molda-me na dança,
insufla em mim a vida dos espíritos,
a vida pura da verdade.
Leva-me na conjunção do devir,
no fado,
nas linhas tortas que escreves,
na paz que me entregas,
à que me entrego.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Semá


49


          Para Alba Bétula

                     Semá

Tiro a vestimenta e peço permissão.
Nasço na tomba dos desejos,
nasço na mortalha dos desejos,
e entrego a túnica por ser.
Beijo a mão que se oferece,
ah meu Seyh Efendi,
permite a liberação,
permite a unidade
do possível:
a ascensão!

O ritmo é lento e volta sempre
ao início num círculo exterior,
o som dos ecos repele palavras
como vidas.
Na solidão acho companhia,
integro o ser que me integra,
respiro o ar que me respira,
achego o abraço que me achega.
Os passos giram.
A árvore da vida começou.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Devri veledi


48

          Para César Morán


Devri veledi

Cada anjo chega numa onda.
Os mares dos quatro pontos cardinais
e o tempo saúdam ao sem tempo,
o espaço ao sem espaço,
a unidade à companhia.

A água é água,
o lume é lume,
o ar é ar,
a terra é terra.
Para entornar ladainhas nasce a vida.

Saúdo a linha do silêncio,
a frustração da recta,
o abismo do leito,
a fé prendida no som múltiplo.
Saúdo o tempo das saudades,
o labirinto das perdas mais sentidas,
a curva no caminho,
o nome errante,
o destino errado sem destino.
Saúdo a queda das palavras
o sonho azul na fé prendida,
o círculo que volta,

e recomeço a múltipla onda,
a alma múltipla.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Taksim de Ney


47


          Para Flor e Daniel Caxigueiro


             Taksim de ney

Esta é a noitinha.

Sobre as montanhas o céu é vermelho.

Aguardo a nave que não chega,
o tempo que não passou
quando o silêncio é espera
e a aurora, um pôr de sol.

Aguardo a mão dos sonhos,
a que nunca mais sonhou,
braços cruzados no peito.

Arde a fé
em fé de cor.

terça-feira, 7 de abril de 2015

O som


46

          Para Belém Grandal
                      
                  O Som 


A rocha mede a água,
os gases cobrem
os espaços do pranto
e o sorriso.

A pedra é nave de esperas
e luz do sol-pôr.

Desde o resplendor da tardinha,
as ondas são céu
e, na noite, as estrelas vão brilhar.

Dos longos caminhos,
os tempos serão,
ordem deste caos.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Na´t-i serîf




45

       
          Para Xoán Abeleira

         Na´t-i serîf

As vozes do vento,
e das aves, e da água.

A harmonia dos céus na ordem que precede ao caos,
no caos que precede à ordem.
O resplendor da areia,
o frescor do carvalho e a oliveira,
do baobab e a cerejeira.

O ritmo do lume dançante,
o odor da praia na noitinha,
a noite fria do deserto,
a montanha alta,
o rio.

Cantarei o verbo, fluir do coração,
no lábio de quem tem lábio,
nos olhos de quem olhou.

Cantarei a fonte do saber,
a alma universal,
a pele do cosmos,
o dom dos que não têm dom.

Cantarei as mãos, as poutas,
a raiz, a sem-raíz,
a esplêndida navegação da alga,
a asa cantarei.

Cantarei o mesmo canto da esfera,
o eco planetário da molécula,
a luz dos que têm luz,
a noite de quem sonhou.

Do ruído a paz chega.
Entre a brêtema abre o dia.
Entre a morte a vida aprende.
Da rocha nasce o manancial.

Tudo canta
a geração universal da existência
na ladainha das estrelas,
as vozes do vento
e das aves e da água.
Ao criador do canto,
tudo canta.

CANTO VI SEMÁ


domingo, 5 de abril de 2015

Voltamos


44

 Para Hugo Da Nóbrega Dias

Voltamos.
Havia um muro de pedra coroado de espinhas.
Havia um templete no jardim.
E o monte sumira na distância de especuladores brancos.

Por isso perguntei à ermida e aos carvalhos tristes,
e aos penedos sós,
por espelhos de ilhas,
e tomei nome de barca nas tardes da infância e a erva livres
mimetizadas em alga, ou insectos salgados de ribeira.
E procurei pente a beira-mar,
rumo a Cortegada,
terra-povo,
viveiro de um berro feito som,
onda que revolta tempo e lua nos solstícios da noite,
uma canção.

sábado, 4 de abril de 2015

Marisqueiras


43

         Para Viki Rivadulla

A praia era rasto de gaivota e pé de mulher. 

Chegavam os banhistas e as ondas.
Chegavam já os canos até o mar
e a semente perdia o seu cheiro primitivo,
odor de lembranças e loureiro,
de pólvora e rocha revestida,
de alga e micélio, ferro e pão.

Perturbados horizontes entre o fumo
e o negócio de luz a planear 
na velocidade, na noite, no ouro
sem espera ou amanhã,
enquanto as ondas vermelhas reflectiam
mais uma morte que as que perde o chão,
e afogavam o rochedo, mesmo a árvore,
entre sombras ainda a mariscar. 

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Conchas


42

          Para Manolo Pipas


Baixa o Ulha. Sobe o oceano.
A terra abre leiras sob o mar,
os quintais reflectidos das estrelas
que cultivam aquelas minhas mães
de força e saudade.

As saias deixavam-se partir
nas costas encurvadas
a leirinhas de colheita animal,
submergidas na herança de canastros
e nos pés do silêncio,
por colunar conto comunal com concha viva
e retornar areia a navegar.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Sereias


41

          Para Alba Maria Diaz

Na longa carvalheira das galaicas
legava-se o livro dos sonhos,
à ternura do sol-pôr a pé do mar.

Agora fica a terra, apenas eco.
Fica a ria a destecer este aço líquido,
o farol  breve do porto a retornar,
e fica em mim a voz de cada pedra,
a esperança da ilha a beira-mar
na nave das justiças,
 junto ao rasto vivo
das agricultoras leves da maré
com pele de alga e voz formosa.

As sereias de viveiro no minguante
cantam nas conchas alalás.

CANTO V CORTEGADA


quarta-feira, 1 de abril de 2015

As rochas de Caleac



40

          Para Óscar Varela

Falam os últimos sonhos da cabana.

À beira da tardinha ainda chama
até a saudade do bardo, por cantar
o cheiro a sal do último povoado
de lares tenros e voz perto do mar.

Dizemos hinos com vozes renascidas.
No castro alenta o verde coração,
e as ilhas tendem leitos de druida.
Volta a alvorada à casa do sentir,
carícias de harpa e povo a latejar.

Beija-me ainda e sempre sob os carvalhos
da terra boa na que temos raiz.
Revoltemos som de labirinto atlântico
neste tempo de tempos,
nas rochas de Caleac.

terça-feira, 31 de março de 2015

Confissão


39


          Para Rubén Fenice

Confesso as mestiçagens que passeiam meu corpo,
e não apenas corpo, também meu espírito,
os adultérios todos que chegaram a ser-me
em cor, em linhas várias, em crenças e tempos.

Confesso-me de mundos e amores distantes,
de ecos, leituras, cantos e presenças;
sou de ausências tantas que doem como carícia
e de peles diversas e de paisagens muitas.

Pequena!, só terra na terra de mil cores
e bocados de ar, com múltiplos odores.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Olho por olho


38

          Para Cruz Martínez

Digo-te: olho por olho,
e ainda mais,
digo: olha-me que te olharei,
e que as linhas olfativas furem glândulas,
que os tatos pintem mapas
e o sabor dos silêncios se confunda
na sinfonia brava do interior.

Digo-te: olho por olho
luz por luz e cor por cor,
vento teu que assente vento,
pausa em tempo,
tempo em dom,
alento violeta dos inícios,
miradas desdentadas
digo, amor.

domingo, 29 de março de 2015

Uni-versos



37

          Para Iara


E quando é de ti o mover da aurora, o silêncio
denso a olhar silêncio, e como se olha o silêncio
a nascer hip hop e heavy metal, tambor, ritmo,
batuque, odor a menta e um tu lento a navegar
os cálidos universos da internet e a nascer em
verso sem ser verso e pirata de ti sem ser pirata
e em mim abordar de corso em linha abordo
e corpo nave e beijo em vento. Bandeira, minha
bandeira... rei sem rei, pátria sem pátria, deus do
deus e nome eterno.

sábado, 28 de março de 2015

Des-redar


36

          Para Marisol Casas

Os pés deitam raiz de pedra na saudade,
e, no devir, os ocasos têm pegada de ser,
e a linha do tempo é marcada
pela sombra própria e fazem saber...


Eu costurava as redes em portos de passado,
nem levava roupa nem calçado,
apenas o corpo a esbarrar sobre a cor
e o escuro a brilhar entre o tremor.

Sabia beijar os peixes novos
e tornar grandes os ocos na rede,
liberar onda em pena e pena em sal
e ser a espera de golfinhos,
magia na tardinha,
casa do último pescador
olhar e alento a perguntar por ti,
pelos silêncios,
incompreender as pescas milagrosas
que chegavam vazias de sentir.

Sim, descosia redes, desredava...
e fiquei apanhada por partir.

Mas os pés têm raiz e os peixes voam.
As luzes livres são assim...

sexta-feira, 27 de março de 2015

Tempos



35

          Para Ricardo Costa Arribe


Foram tempos vividos a saber,
na estadia plena da história
que transformava palavras em memórias
e dia em data
e tornava a luz figuras.

Como o farol dos sonhos marcava rotas
na noite e nalgum texto segredo
de histórias sísmicas ocultas
entre o verdor da erva
na terra nova!

... Ah, Ulisses, qual era a ilha?
A saudade é uma pátria certa
dos velhos anarquistas,
a lua em lua nova,
o verso no silêncio,
lume em frio,
e memória de ti
que eras memória
e moras em lugar desconhecido.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Voltar


34

          Para Maria Dovigo
  
Anunciavam entre sonhos e palavras espíritos do ar
as mensagens secretas dos tempos ascendentes,
dos que nem dizem acima,
dos que abaixo não dizem na escada e na verdade.

No silêncio, dormiam palavras entre sonhos,
linhas oníricas da terra na água viva da esfera.
Meu amigo no labirinto,
na escada em Bonaval, no monte alto,
no rio dos destinos, em lábio vivo.

Povoamos o medo da Primavera ao Estio,
revoltamos curvas frias do Estio até o Outono,
perdemos os caminhos do Outono a este Inverno,
o tempo do furacão, o tempo do furacão e o desemprego,
e o verbo voltou e era de anjos, e namorou os versos e os reversos
e sabia de ti, fume na alma, com o vento prendido numa asa,
com olhares prendidos no infinito...
no infinito de ti, sem infinitos...

Voltar, voltar apenas, Ariadne,
voltar, reiniciar o labirinto,
o começo em floresta, em húmus novo:
onde havia ainda árvore e houve ninho.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Fotões de água


33

          Para Alexandre Brea

Do centro descentrado, e o silêncio falado
e a presença ausente, e o som acalmado, nasce a luz.

Explodir em mil ondas,
desde o vento e as sombras,
sobre o céu ser de tempo, ritmo e fractal do inverno,
e brincar com as rimas como brincam meninas,
e acelerar partículas entre a mecânica ondulatória
da tua carícia em mim,
a cores várias, na perceção única da dualidade onda-partícula.

Fotões de água na pura luz,
a incerteza básica da indeterminação quântica
sobre a mística espera,
para entrelaçar as amplitudes proibidas
e condensar dinâmicas a beira-mar
onde nasceram as vidas e os espíritos e virou luz.

Amor espetral dos paradoxos,
incertezas de Heisenberg,
quando os operadores correspondentes
a certos observáveis não comutam
e ficam os teus versos sobre mim,
mais uma vez.

terça-feira, 24 de março de 2015

Imagina


32

          Para Alfonso Láuzara
       

Se para ti descer era a fronteira,
para mim até é o infinito
e olho a chuva e o silêncio frio
com dor de sol solitário em rios
de energia meridiana,
a explodir incógnitas de vida
no único sentido do carbono,
orgânica seta para acima.

Imagina um baixo a volume máximo,
imagina heavy, saxofones de ternura,
imagina Roma a arder sem calor.
Ainda,
imagina que deito pé a escada
e deixo a sombra a dormir
em cama oblíqua.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Desabotoo o peito para a noite


31


          Para  Manoli Rodríguez, para Miguel Angel Alonso


Desabotoo o peito para a noite,
abro a caixa dos segredos,
para me contar os contos de outrora;
retomo os caminhos que diziam no ar.

Doem na garganta os males velhos
de infância mal curada,
de espera fanada,
o medo da palavra atravancada.

Furou-se um pneu neste ciclo de som.
Avanço em linha opaca, com instintos
que tremem como a terra
neste tato.

Olho sem ver senda,
nem sonho de luz,
nem astro,
sempre adiante,
verbo em lábio,
na via Puro-eu a Nós-em-cor.

CANTO IV NASCER EM LUZ


domingo, 22 de março de 2015

Pode abrir a flor


30

          Para Isabel de Ardilheiro, a minha vizinha

Preto e branco.
Mana a torneira saudades.
Diz a pele liberdade
e a palavra tem sentido de Nordés.

Vivo na lembrança assinalada.

Os cavalos da alvorada tendem terras
a povoar o encontro com as águas.
Sinos de brêtema  percorrem este alento.
Estremecido o  silêncio de tatuar
nas pétalas da ucronia.

Pode abrir a flor.
Ainda é tempo de sonhar a cor e dizer a brisa,
retornar em som,
ser campo ao sol e lar em lar,
cantar sorriso de paz
trocar colheitas com a vizinha Isabel,
deixar aberta a janela para o amor,
e recriar simbiose tenra.

sábado, 21 de março de 2015

Ágape de lua


29

          Para Verónica Martínez Delgado


Não queremos mais vermelho que o da vida
ao pé dos leitos e os fogões:
não queremos mais amor que o mesmo amor,
quando enchemos os copos deste tacto
em ágape de lua a mundo e meio.

Meio mundo somos e sabemos
escrever no tempo de sonhar,
páginas de longa e velha paz.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Amigas do cervo


28

          Para Laura Bugalho

Sentamos ao pé das carvalheiras,
entre fontes ainda.

O nosso som tem o eco das cantigas velhas,
margens de história a navegar
águas quotidianas  de conversa
que escrevem alvoradas,
milénios de filha a herdar
os segredos do ventre
e os caminhos.

Amigas do cervo junto ao mar.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Costureiras


27

          Para Rochi Nóvoa

Costuramos histórias com o barro
nas jornadas de lua,
lume em dor.

Prendida está a tardinha por sonhar
 quando  tendem as irmãs carícias
 sobre a areia do mundo,
este chão de dança  e solidão,
esperança  telúrica  dos ventos
que não sabem calar,
que não querem calar.
Nós.

quarta-feira, 18 de março de 2015

No lábio uma janela e no mar um caminho


26

          Para  Isabel Ferreiro e Ramiro Torres

Acarinhava as águas com a chuva da luz,
no lábio uma janela e no mar um caminho.

Por tingir as saudades de cada labirinto,
os silêncios ferrados fecharam um inverno
e deixaram a voz a cantar terras livres,
e deixaram os peitos a festejar amor.
Vagavam entre as ondas caminhos de druida,
os verdes latejavam planetas a vibrar.
Como universo novo, expandia-se o sonho
e as serpes deste ciclo voltavam num olhar.

-Renovaremos Nortes em Sul.
A geografia será cruz dalgum tempo.
A viagem a casa voltar, e revoltar.

Renovaremos Sul em Nortes sem fronteira,
a face da revolta, tem nome a navegar.

terça-feira, 17 de março de 2015

Anjos de arame



25

          Para Tati Mancebo e Alfredo Ferreiro

Quando o ferro canta e governa o lume,
o tempo a desviver transforma o sonho.

Um monstro amputa ninhos
em noites sem ternura.
O ginete cavalga, em ermos, chaminés.
Foi desterrada a morte do areal que foi rio
e  o anjo de arame
tece um deus industrial.

Junto à boca do inferno,
diz o ferro a ritmo de relogio,
a cinza sem canção.

Que longa quiromancia de consciências perdidas!
Por nascer, uma árvore,
 por libertar, as mãos.

Amanhã dirá o vento de paredes caídas,
a chuva será o tempo da paz e o resplendor
e nascerão os céus translúcidos da vida.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Deixa-me dizer-te


24

            Com Miguel Alonso

            Para Xavier Ponte

Deixa-me dizer-te.
Dizer-te, não falar-te.
Dizer-te por bandeira nas gaitas do alvorar.

Se despontam as luzes, levaremos o mundo.
Os tempos são chegados,
e os sonhos por sonhar têm beira sem porta
e portos a abeirar.

Deixa-me cantar-te.
Cantar-te, não chorar-te.
Cantar-te em voz de monte na terra do sol-pôr.

Pisaremos moedas, semearemos filhos,
renovaremos nomes na barca do amanhã.
Dizer-te-ei na ilha, então, de ilhas errantes,
entre os passos a força e um mundo por nascer.
Labrega, hei soterrar capitais como abono
e cultivar o amor, sem indústria, nem modos.

Deixa-me dizer-te, no teu nome de lar.

domingo, 15 de março de 2015

Transmutam as palavras


23

          Para José Goris

Transmutam as palavras
e os olhares escutam ecos novos na rua.
Agora é a ágora, o passo e o caminho,
nas praças um sentido de seta sem distância.
Somos cervos novos na água da manhã.
Somos ria aberta aos mares do amanhã.


sábado, 14 de março de 2015

A caixinha azul



22

          Para  o pequeno Alejandro

Entre a matéria escura eras halo de luz.
Desatavas silêncios  no hélio de um balão
por ascender, ingrávido,  à gravidez do mundo.
Foi na hora precisa do tempo inexistente,
quando  expandias corpo e inanimavas almas
em náufragos cárceres à deriva dos sonhos.

Sem ventre, semente.
Sem crónica, crónico,
e, sem palavra, voz.
Imprópria essa dor no beijo impreciso.
Menino prendido a num mundo perdido,
a latejar o medo insubmisso  e a lágrima
em longa solidão.

Em que parede pintas as histórias de arame?
Em que cinza ficou a cor de um golpe frio?
Que vento traz carícias até a caixinha azul?

CANTO III FENDAS


sexta-feira, 13 de março de 2015

A novena onda


21

          Para Cari Ca, que pinta amor.


Mordo na raiz substrato vivo,
 mãe a esfarelar nosso sustento,
ancoro pés na união do tempo,
no início ígneo ao que voltar
é caminho certo.

Cavalgamos nove ondas em corcel de ar.
Navegamos nove ilhas em barca de pedra.
Pairamos nove montanhas em vela de sol.
Caminhamos nove sonhos com os pés da terra.
Soterramos  nove anéis com garras de nuvem.
Cantamos nove odes com a voz da árvore.
Caçamos nove sons com arco de vento.
Acendemos nove teias com lume de mar.
Emprenhamos nove noites com amor de lua.

Nesta laje vou gravar nossas façanhas,
na saudade o nosso dom.

quinta-feira, 12 de março de 2015

A onda oitava


20

          Para Xosé Iglesias


Na linha do sol, números áureos recobram criação
e o tempo deixa espíritos de moura a pé do mar.
Sereias acalmadas pela brisa penteiam aura
e passeiam no espelho salgado um regressar.

Meu amigo: a Mãe aguarda povo.
Reconta longos contos desta história,
encanta no seu canto uma memória
e tece alvoradas de sol-pôr .

Meu amigo: a Mãe aguarda sonhos.
Enraíza em cantiga as lembranças
e baila, formosa, na esperança,
que sempre ressurge na maré.

quarta-feira, 11 de março de 2015

A sétima onda


19

          Para Samuel Pimenta


Ao som da avelaneira lateja a minha pele,
regressão vegetal ocupa ritmo e sombra.
Na dança da memória, sou luz a enraizar.

E a terra fecha sulcos
e a chuva abre fronteiras.

No útero salgado da onda passageira,
no retorno da vida,
há vozes minerais que dizem vento,
universos de flor a enfeitiçar.

terça-feira, 10 de março de 2015

Cliodne dos loiros cabelos


18

          Para Pedro Casteleiro


Fica o corpo no curragh.
Voltou Cliodne à terra do descanso eterno,
ali os espíritos permanecem,
ali é imutável o amor.

Para os mais bravos corcéis
há senda entre as ondas.
Retorna o orvalho da lua sobre Eirin.

Muda o rosto da vaga 
em fundação de praias,
duna loira
olha o Sul.

segunda-feira, 9 de março de 2015

A onda sexta


17

          Para Xavier Ponte 

Em alva plena,  meu cervo,
desce-me à ria nascida.
Achega-me, meu remeiro, à costa nova
e, na ilha, namora-me com um sonho,
para que a tua carícia seja proa,
achegue mar.
Beijo em ti líquen de esperas:
acarinho o sorriso desta Terra,
um esteiro de histórias permaneço
e acompanho a confraria do retorno.
Em onda ao vento,
aguardo  mar.
Proclamo no teu corpo alma de esteiro,
praia longa aleitada no silêncio.
Do teu alento digo verso em sal,
e parto, sem partir, na hora alta,
retorno entornada em ave errante,
amiga sou, ribeira que abalavas
por ser mar.

domingo, 8 de março de 2015

Quinta Onda


16

           Para José Manuel Barbosa e Ro Palomera


O vento novo nasce no caminho,
vira nas coxas sentires,
incorpora, incorpóreo, corpo livre,
agita o espaço a inexistir.

Levo horizontes na bandeira,
força  memorial na criação.

Olhar de vento
faz sentir o pensamento
rito casual do círculo,
perímetro indirecto do vazio
no sorriso incolor  da insurreição.


sábado, 7 de março de 2015

A onda quarta


15

        Para Manuel Camba

Já a montanha arqueou pátria sobre o mar.
Aqui deixam as gaitas eco aberto,
intercala um universo sons de fada
e ficam silêncios por criar.
É idade de plenilúnio, de geadas,
noite em lar.

O lume sabe de retornos.
Voltou a cinza a dispersar
lembrança longa
e o achádego procura cultivar
rostos e palavras,
perdido este naufrágio no borralho,
descoberta esta arca no sentir.

           Prometem os presságios revoltas com flor de cerejeira,
no tempo verde do carvalho,
olhar de paz e luz no coração.
O lenho que hoje arde será terra
da semente plena
em sonhos por lavrar.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Branwen


14

          Para Marcial Tenreiro. Para Judith.

Branwen, filha de Lir, 
velha irmã do corvo e da lagoa,
as gaivotas da sombra 
partem  hoje em migração de lágrima
e o mar, povoado de emoção,
nomeia o teu silêncio e paira.


Medra um carvalho nas planícies.
Que moura vai fiar verde oceânico?
Ramos de vento abrigam naves
                            nos portos da ilha de Brandão.



quinta-feira, 5 de março de 2015

Terceira onda



13

          Para Isabel Rei


Conceberemos luz.

Na matriz incorpórea dos vazios,
o raio da manhã  retorna espaço.
Emprenha canto o encanto que gerou.

No ar informe latejam as ternuras do orvalho verde,
a consistência do lume inexistente,
a pura energia em criação,
o último círculo,
a cadência  incandescente deste amor.

Astros minúsculos desenham um ser em espiral.
Nascem em luz.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Onda Segunda


12

          Para Artur Alonso Novelhe. Para Margot

Em tempos espirais volto até o início.
A minha casa nasceu do nevoeiro,
é raiz de brêtema o meu sono,
aperta em eco denso uma visão.
Então, desta saudade brota água,
da luz esperada uma palavra
com bruma por corpo
e cor brião.

Desvendo na nuvem os agouros,
cristal de dias brancos na cascata,
fio de som no manancial.
Percorro o  percurso assinalado
com voz de anta,
espírito de loba.
No alento silvestre das espigas
a dança dos regatos
namorou.

terça-feira, 3 de março de 2015

Primeira onda


11
       
          Para Branca Garcia Fernández-Albalát


Abrolham mananciais das mãos da deusa.
Os segredos do éter pairam no espírito
com voz de silêncios milenários.
E pousa um papo-ruivo  no ramo despojado do pessegueiro novo,
o mistério encarnado neste frio de inverno.
No estatismo de um pulo retorna o universo,
entorna-nos céu.

A percepção vertical revela
o equilíbrio do tecto a inexistir.
Que não caia sobre nós o firmamento,
Que desçam as alturas desta aura
e chova horizontal numa montanha,
por sermos cosmos partilhado
a expandir.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Morrigana


10

                 Para André Pena Granha


Percorria a lavandeira velhos caminhos de sonhos:
cantava e branqueava os dias no sol-pôr do rio novo,
enquanto o sangue esvaia linhas de luz sobre a água
e os espíritos diziam no reflexo das palavras
cristais de frio com penas no oco longo das mãos brancas.

De morte lavava prendas a lavandeira entre as canas,
então  as armas batiam  e os silêncios batalhavam.
Os braços tornavam lua um leve entornar de asa
e desciam encarnados em ave líquidos olhos,
revoltados sobre a idade os ninhos azuis do corvo.

Eu queria retomar-nos sobre o tempo em luz de alvas,
lamber uma terra virgem no bico de Morrigana
pentear-me ao pé do poço
espelhar-me então no povo
e sublevar-me em cantigas de lavandeira encantada.