Para quem ama no escuro.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Esculpimos Desertos


8

            Para Pedro Teixeira da Mota


Esculpimos desertos e homens como bosques,
com tacto nos cabelos e lama nas entranhas,
simulamos os musgos em pregas junto ao sexo,
nascemos humidades de luz nos arvoredos
sem grade que leve a nossa fonte clara.

Entornamos, então, o mundo para sermos
fictícias feiticeiras ao Sul de Samaná,
com pele de sereia e lábios ainda tenros,
com fruta nova à busca de tempo por sugar.

Sobre o asfalto alguém quer redimir a caverna
nas noites embarcadas à chuva desde Harlem
e deixa então ruínas feitas carne
no Norte mais triste que nascera em Manhattan:
corpo de moedas, dor fronteira,
verbo do fenício, biqueira a latejar.

Abrimos janelas de areia e verbo claro,
rejeitamos embargos e criamos os prantos
da terra que vibra sombras de sonhar.


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Herdeiras do conde do Egipto Menor




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           Para Inês, in memoriam

Andamos assim, com os silêncios trocados,
no passeio dos rom sobre a terra.
Nos recitais externos dos recintos
ficamos de lento suspirar,
cesto vazio e coração de mundo a respirar.
Nós, as desbotadas da brancura.
Nós, as herdeiras do conde do Egipto Menor,
as irmãs da tardinha que não chega,
cor nómada da lua que nunca mais cantou.


quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Na autoestrada de Nós até Utopia


6

          Para Kelly

Na auto-estrada de Nós até Utopia
não se movia o vento
e o mundo era apenas uma via
de passo vedado às meninas
que tentaram,
para logo regressar,
no cair da noite,
com dom de frutos,
ao palácio de terra e tecto em zinco,
aos reis de anel perdido e novela,
"Sempre a Vida  É Bela",
as princesas de nome sem raiz,
janela aberta, vertigem nova,
escorrega a um chão no que morrer.

A terra prometida de quem sofre,
o jardim de quem jardim não têm.


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A História da Torre



5

          Para Isabel Lorenzo, para Fernando Sangiovanni


Foi então quando correu a história da torre
e teorizaram sobre as verticalidades
para olhar alto e alumiar a noite com candeias
e vestir neônios com chapéu.
Inventaram leões no circo em Roma
e Áfricas na mesma Nova Iorque
com metalurgias em tristes destruições.

Meu namorado desceu da ilha aos tempos
e labora na terra de ninguém,
levou consigo o mato e o café por semear
e o abacate cortado na lembrança
da terra livre e da casa prometida.

No gueto sonha com a cana alta
enquanto tende o leito a rés-do-chão.


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Flores de Luz


4


          Para Concha Rousia


Ninguém falara destas flores de luz
e dos tempos ainda de estrelas solitárias,
rude  marinheiro, amigo, meu Simbad.

E eu fiquei na casa onde amaras,
longe das naves e as marés,
a escutar poemas de pedrinhas
e apanhar carícias com a mão,
a lamber as crisálidas dos filhos
e renascer sem extensos passaportes,
vistos brancos das terras da Guiné,
a florescer no oco derradeiro,
no vazio da bomba junto à flor.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Princesas sem Reino



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          Para Lili

Da terra de Ilião partiram naves.

Do incêndio último nas horas de folgar,
nascera a cúmbia da beira da estrada,
acendidos o sexo e o farol.
Vermelha a pomba ainda a  aguardar,
Hécuba,
a dor da guerra no quartel do sem quartel.

O deus sabia do livro dos feitiços,
mas ficara no ventre de um corcel,
no leito de tantas perdedoras,
no tálamo da noite a recrear desertos
e acreditar amores que têm hora,
quarto, preço e condição.

História de princesa já sem reino,
maldição de ventres de ocasião.    


domingo, 22 de fevereiro de 2015

Útero de Loba



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          Para Pedro Mora

Até Oriente, então, na sem-fronteira,
cheguei a viajar no Expresso sem bagagem,
portada até o porto de Istambul,
minha terra dos dons e as confluências.

Entornou-nos a piscadela das paisagens
em cor vermelha de véu desde a mesquita
para orar à minha deusa Iemajá na fonte de Allah,
Salam, olho em amor.

Aqui achei assento de pastora,
útero de loba que acarinha o cordeiro das deusas,
e fiquei.
Passou o tempo, já resido.
Solicito reunificação familiar com as irmãs do mundo,
espécie homo de Eva e de Lilith.

No caminho perdemos a fronteira,
ás de Ocidente em borboleta
e quarto endereçado de leões.


sábado, 21 de fevereiro de 2015

Flores de Lama



1

          Para Mónica Alzate e Juan Carlos Jaramillo

Entre a destruição e o cheiro a podre nascem flores de lama
e as luzes madrugam desde a  lagoa a nós.

A barca do cacique porta brilhos gerados na utopia,
atestados com ouro de lei cerimonial
no umbigo do mundo, em Guatavita,
 no labirinto do sol até a Anatólia, ao Sul.

É  de ritos o nome desta terra e a pegada dos mares é canção.

Dizem alalás e dança o zipa na roda das troianas sem-papéis,
no batom dos beijos não nascidos, na entranha caribe dos keltoi.

Brota o berro velho e resplandecem as armas
 e mana  o suor de Potosí,
o alento agre,
bulício de látego,
ânsia de ar até as naves de fúria e sem-perdão.

A procissão dos visados sem cantares,
estremece a chuva deste som
e fundeia na vaga o sacrifício.


Na oficina do templo há um recibo,
na cova dos cambistas fica a dor.



CANTO I SOMDAMOR


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